Cerca de mil gestores de todo o país estiveram em Brasília, nesta terça-feira (30), para pressionar a Câmara dos Deputados a aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 25/2022, que aumenta o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em 1,5%. O texto garantiria recursos suficientes para as cidades pagarem o piso salarial da enfermagem, aprovado no ano passado. Prefeitos, vereadores e secretários municipais se reuniram na sede da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pela manhã e depois se dirigiram para o Congresso Nacional, onde fizeram lobby a favor da PEC.
Segundo a CNM, a atualização do piso salarial de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras vai resultar num impacto de R$ 10,5 bilhões “a mais” nos cofres municipais. A PEC 25/2022 está parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e o movimento dos prefeitos quer sensibilizar os parlamentares a pautarem a proposta na Casa.
Paulo Ziulkoski, presidente da entidade municipalista, criticou o estabelecimento dos pisos salariais para as categorias sem que uma fonte de recursos para pagar os reajustes fosse definida. Segundo ele, as prefeituras não têm condições de arcar com os valores. Ziulkoski também afirmou que o crédito extra de R$ 7,3 bilhões aprovado no Congresso para custear parte dos pisos é insuficiente e não pode servir de base para o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a liminar que suspende o pagamento dos reajustes (saiba mais abaixo).
“O ministro Barroso suspendeu a lei [do piso salarial] até que tivesse o dinheiro para pagar. Só de agosto do ano passado até agora, com essa liminar, foram R$ 8 bi de economia para os municípios. Agora a liminar foi pautada para votação no Supremo. O governo anunciou que tem dinheiro para pagar o piso, então o Supremo pode remover a liminar. Que barbaridade ouvir isso. Que recurso? Me desculpe, um valorzinho, uma porcaria que não paga nem metade do restante do ano. Se a liminar for cassada e entrar em vigor, no outro dia todo mundo tem que pagar o piso”.
Mais tarde, Ziulkoski levou esta e outras demandas dos gestores para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O representante da CNM disse que Lira prometeu discutir uma solução para o financiamento do piso salarial com os líderes partidários.
O senador Efraim Filho (PB), líder do partido União no Senado, disse à reportagem que é preciso aprovar uma fonte de financiamento permanente para o piso da enfermagem. Segundo o parlamentar, medidas definidas no âmbito federal estão estrangulando as contas dos municípios.
“Não adianta pisos de professor, de agentes comunitários de saúde, enfermagem – que são justos –, sem transferir receitas, porque acaba que os municípios terão de tirar de onde já está apertado para poder cumprir essas novas obrigações. Os municípios estão prontos e preparados para receber novas obrigações. Agora, que elas venham acompanhadas de novas receitas, senão a conta não fecha”.
Em aceno aos gestores presentes no evento, o deputado federal Domingos Sávio (PL-MG) disse que vai pleitear junto ao presidente da CCJ a votação imediata da PEC 25/2022. “De fato, houve um erro cometido de se votar a questão da enfermagem sem ela estar acoplada com muita clareza à questão da receita. Precisamos de uma atitude objetiva. Isso é uma perda que os municípios tiveram. Correm o risco de chegar no fim deste ano com a corda no pescoço e podendo não pagar o 13º”.
Gestores preocupados
George Duarte, prefeito de Santa Maria da Boa Vista, cidade localizada no sertão do São Francisco pernambucano, afirma que as prefeituras não se opõem aos reajustes para enfermeiros e demais profissionais da saúde, mas que sem a definição da fonte de financiamento e do repasse aos municípios o pagamento é impossível.
“Com o aumento proposto pelo governo, a gente teria que aportar R$ 320 mil reais mensais e o governo ficou de dar esse ressarcimento. Só que pela portaria, a gente só vai receber R$ 38 mil. Isso em um mês. Imagine em um ano. Vai dar quase dois milhões de reais o nosso déficit. Como a gente consegue pagar isso?”, questionou.
Segundo o gestor, se o impasse não for resolvido, há risco de parte dos serviços prestados aos cerca de 42 mil habitantes ser interrompida. “Se for obrigado ter que pagar o piso, nós vamos demitir os contratados e tentar minimizar os atendimentos. A gente não quer botar nenhum funcionário para trabalhar sem ter dinheiro para receber. Mas para isso temos que ter o aporte financeiro”.
Nilton Debastiani, prefeito de Sarandi (RS), estima que os cofres locais precisarão de cerca de R$ 100 mil mensais para pagar o piso salarial, mas que ainda não recebeu recursos oriundos do crédito extra aprovado pelo Congresso Nacional.
“É uma preocupação minha e de todos os municípios, porque existe uma questão que ainda está pendente no STF. Os municípios já estão com dificuldade enorme financeira e nós não podemos assumir mais encargos que depois tenhamos dificuldade para cumprir”.
Artur Manoel Nogueira, prefeito de Promissão (SP), defendeu a aprovação da PEC 25/2022 para o equilíbrio dos cofres municipais. “Esse 1,5% em muito contribuirá e também dará um respiro para o município nessa questão do pagamento do piso nacional da enfermagem”.
Entenda
Em agosto, o ex-presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.434/2022, que instituiu o piso salarial nacional de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras. Segundo a norma, enfermeiros da administração pública ou privada devem receber ao menos R$ 4.750. Já os técnicos de enfermagem, R$ 3.325, enquanto auxiliares de enfermagem e parteiras, no mínimo R$ 2.375.
A lei despertou preocupação nos gestores estaduais e municipais porque não apontava de onde viriam os recursos para pagar o piso das categorias. No mês seguinte à aprovação da medida, a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNSaúde – com o apoio da CNM – ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a constitucionalidade da lei. O ministro do STF Luís Roberto Barroso atendeu ao pedido e suspendeu o piso salarial da enfermagem.
O impasse sobre a fonte de custeio para os reajustes teve um novo capítulo em abril deste ano quando, a pedido do Executivo, o Congresso Nacional aprovou crédito especial de R$ 7,3 bilhões no orçamento federal para o pagamento do piso salarial. Segundo o cálculo dos municípios, a medida é insuficiente porque as prefeituras teriam que arcar com R$ 3,2 bilhões em 2023, uma vez que o impacto total estimado é de R$ 10,5 bilhões, além de não prever como o piso será financiado a partir de 2024.
Após a aprovação do crédito especial, o plenário do STF retomou o julgamento da ação ajuizada pela CNSaúde. O relator, Luís Roberto Barroso, revogou parcialmente a suspensão do piso. O ministro, no entanto, decidiu que os valores devem ser pagos por estados, municípios e autarquias somente até o limite de R$ 7,3 bi proposto pela União. A CNM considera que a medida é positiva para as prefeituras.
Segundo ministro a votar, Edson Fachin discordou do relator e votou pelo pagamento integral dos pisos salariais de forma imediata. Em seguida, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas. Por isso, o julgamento está parado.
Durante o evento, o auditório composto pelos gestores aprovou por unanimidade a ideia de os municípios não custearem os R$ 3,2 bilhões restantes para pagamento dos reajustes até que haja uma decisão definitiva para o impasse, seja pelo STF, seja pelo Congresso Nacional.
Fonte: Brasil 61